sábado, 23 de agosto de 2008

"Puta quêo pariu"

Falei com entusiasmo do desempenho de Adriano Stuart em "Encarnação do Demônio". Acabei com uma puta vontade de falar um pouco sobre ele, que dirigiu algumas pérolas entre os anos 70 e 80 e até hoje aparece atuando por aí.

Stuart já atuava na TV e pouquíssimo no cinema quando fez sua estréia na direção. Aliás, em 74 lá estava ele como o filho do capeta em "Exorcismo Negro", filmão do Mojica. Na direção, começou mesmo com a comédia episodiada chamada "Cada um dá o que tem" -- esse título porque eram três episódios dirigidos por caras diferentes, num duplo sentido bem comum na época.

Mas foi em 76 que ele pariu suas duas maravilhas: "Bacalhau" e "Kung Fu Contra as Bonecas". O primeiro é uma sátira debochada de "Tubarão", do Spielberg, onde o terrível Bacalhau da Guiné ataca o litoral de uma cidadezinha. O delegado contrata um "peixólogo" de Portugal (que é o próprio Stuart na foto lá em cima) pra tentar dar um jeito na coisa, mas o prefeito da cidade descarta todas as recomendações do especialista pra cidade não parar de gerar os lucros com turismo e etc. O segundo é uma espécie de sátira aos filmes de Kung Fu em geral, onde vemos Stuart distribuindo golpes insanos trajando uma camisetinha rosa e uma peruca estilo Bruce Lee. O legal é que os vilões são cangaceiros homossexuais que dominam a arte da capoeira, sem contar que o líder desses (portanto a bicha-mór) é interpretado por Maurício do Vale. Ele mesmo, o Antônio das Mortes dos filmes do Glauber...

Agora eu vou juntar os dois, já que são do mesmo período, com basicamente o mesmo elenco e a mesma linha do roteiro. Me impressiona muito a liberdade de humor de ambos, que não busca ser inteligente nem escrachada. Em geral, os textos são ingênuos e fazem uma ponte óbvia com as nossas velhas chanchadinhas, mesmo com um leve (muito, muito leve) tom de sacanagem em alguns momentos. Eu chamo o humor desses filmes de "humor tempero", já que na maior parte das vezes as gags e piadinhas são jogadas como "detalhes" dentro de um trecho linear. No vídeo que segue vocês vão perceber, ou as piadas saem na lata ou saem escondidas. OBS: relevem a abertura ridícula disso aí. Destaques para o velho Canarinho*, Dionísio Azevedo e o já citado Mauricio do Vale como o pescador. "E o meu diproma?".



Enfim, Stuart dirigiu ainda 5 longas dos Trapalhões (vi apenas dois e achei terríveis) além da série deles por um bom tempo. No nosso mercado, seu filme mais acessível é o infame e belo "Fofão e a Nave Sem Rumo", que destaco o texto do amigo Filipe Chamy (não confundir com o iogurte) pra Zingu!. Pra terem noção, vai um trecho da sinopse: "Nave espacial seqüestra duas crianças e o alienígena Fofão com o intuito de se apoderar da força implantada no seu nariz".

Nos trabalhos como ator, Stuart imprime um "tipão" hilário em qualquer situação. As interpretações são tão pessoais que imagino que se no roteiro tá escrito "nossa!", ele fala: "pouta que paêo, mas que merda!". Sem excessões. Ele tá muito bem nos filmes que fez com o Ugo Giorgetti (um dia escrevo sobre ele aqui), principalmente no "Festa" (obra-prima). Beto Brant, pra mim o maior talentoso dessa geração, usou Stuart em "Os Matadores" e deu a ele uma participação fe-no-me-nal em "Crime Delicado" (filme lindo, por sinal). Também está como um investigador no "Garotas do ABC", do Carlão... Enfim, desses aí só "Os Matadores" e "Festa" não estão por aí em DVD. Os outros do Giorgetti são "Boleiros"(o 1 e o 2) e "O Príncipe".

Chegou a dar as caras na minisérie "JK". Se eu não me engano, papel de corno... Mas enfim, quem assistir "Encarnação do Demônio" sem perceber que esse cara é um grande artista só pode ter algum problema. Vida longa ao homem. Depois tento um contato com ele, gostaria muito de saber se dirigiria mais alguma coisa....

* - Canarinho ganhou um dossiê na revista Zingu! Vale a pena dar uma olhada.